Vida d'Objecto | A Tuga Das Botas.

Sou mais miúda de sapatos e ténis do que botas e sandálias – e dito isto, parece que não gosto dos estremos a meus pés. Mas há um par de botas que, apesar de rotas e completamente esfoladas ainda hoje as calço (suspeito que têm um super poder qualquer).

Comprei-as em Lisboa mas já me tinha mudado para Londres, aquela cidade gélida e demasiado apressada. Na altura vivia entre a universidade e o trabalho. Não havia tempo para contar o tempo, tudo era demasiado rápido e a exigência era só uma – conforto (do corpo e da alma).
Passeava com o meu já ex-namorado, vi-as e apaixonei-me perdidamente por elas (por ele já só restava amizade). A partir daquele dia passaram a ser a minha extensão. Na universidade era conhecida pelas botas altas, rasas sem medo e pontas sharp como o meu olhar quando algo não me convém. Aguçavam a inveja de quem queria poder a seus pés.

Fizeram milhares de quilómetros comigo. Passeamos as duas sozinhas pelas ruas de Paris, fomos a Bucareste com uma mão cheia de amigas de várias pontas do mundo, visitamos a Escócia de comboio, conhecem os markets todos de londres e o bus 23 melhor que ninguém. Foram descalçadas por mim e por um namorado, limpas poucas vezes, visitaram sapateiros sem remédio para os rasgões que têm. Nunca tiveram medo dos becos nem da escuridão de Londres, levaram-me sempre a casa sound and safe.

Nunca me deram uma dor nem nunca me abandonaram nas caminhadas difíceis e é por isso que ainda as guardo e as calço, mas agora só quando o sol brilha e o super poder é um sorriso.

Adolfo Dominguez, circa 2005

Adolfo Dominguez, circa 2005